A docência que queremos
- teiadesaberessite
- 5 de ago. de 2024
- 3 min de leitura
Ricardo José de Azevedo Marinho
O desempenho educativo das nossas crianças e jovens nos testes nacionais e internacionais mostra uma estagnação em níveis insatisfatórios. Há até retrocessos relevantes como se viu no Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS) e nas suas provas de compreensão da leitura para o quarto ano.
Essa realidade já era observada antes da pandemia. As explicações disponíveis não são claras. Ainda assim, sabemos que bons sistemas educativos partilham a sua capacidade de atrair pessoas competentes para o ensino. Em outros aspectos eles têm grandes diferenças. A enorme heterogeneidade observada na capacidade dos professores e professoras em impactar a aprendizagem de crianças e jovens deveria incentivar essa busca. Conseguir um conjunto de professores e professoras eficazes deve, portanto, ser um objetivo do nosso país. Isto, apesar dos múltiplos esforços, inclusive com mais um Parecer (CNE/CP N.º 4/2024) do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE) que estabelece novamente Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica – a nova carreira docente é talvez o mais significativo de todos – não parece estar a ser alcançado no nosso país.
Assim, por exemplo, nos ingressos ao longo do século 21 das pessoas matriculadas em Licenciaturas e em Pedagogia pelo processo regular vieram da maioria absoluta de notas limítrofes inferiores ponderadas para classificação. Embora estes números devam ser analisados com cautela - nas décadas do século 21 novas instituições de ensino superior (IES) foram incorporadas aos sistemas de admissão e os limites de candidaturas a elas foram modificados, entre outros fatores - o cenário mais provável é que o ingresso em Licenciaturas e Pedagogia nesses últimos decênios tenha se tornado menos seletiva (aliás, se fossem consideradas apenas as mesmas IES, com todas as limitações que isso tem, a seletividade relativa para esses cursos caía).
Esta análise pressupõe que os professores e professoras eficazes tendem a ser aqueles e aquelas com maior aptidão académica. No entanto, mesmo com essas evidências é preciso cautela a este respeito. Mas é um fato, como tem sido demonstrado planetariamente, que os países com bons sistemas educativos tentam selecionar os seus professores e professoras a partir desta amostra. Ao mesmo tempo, à medida que mais informações e dados se tornam disponíveis, os estudos começam a concluir que a formação académica é importante para a eficácia de um professor e/ou professora. Perseverar, então, em mecanismos que garantam que pessoas com solidez acadêmica cheguem às salas de aula parece essencial.
Um primeiro impedimento para alcançar este objetivo pode ser o salário dos professores e professoras. Segundo o Panorama Mundial da Educação 2023 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil seria um dos países onde os salários dos professores em comparação com pessoas com estudos semelhantes têm um valor menor. Apenas os outros Estados desleixados com a educação apresentariam uma situação menos favorável para os professores e professoras.
Aliás, este não é o único fator que explica a dificuldade em atrair e reter bons professores e professoras. É uma profissão que perdeu estatuto, os programas de formação inicial e contínua não parecem ser tão atrativos para os jovens e as exigências impostas pela profissão são talvez superiores às esperadas pela juventude hodierna. Todos esses são fatores que estão obviamente interligados.
Se o país decidir investir mais na consecução deste objetivo, deve garantir uma estratégia republicana bem concebida com indicadores de progresso transparentes e amplamente partilhados democraticamente. Isto deve incluir um sistema de avaliação de professores e professoras melhor e mais exigente, alinhado com a aprendizagem dos alunos e alunas, a fim de garantir um conjunto eficaz de professores e professoras.
Se o país não escolher esses grandes eixos fundamentais para impulsionar o nosso sistema educativo nos próximos anos, o desempenho dele continuará a ser abaixo do medíocre e estaremos longe de criar as condições concretas para enfrentar as enormes mudanças tecnológicas, econômicas, culturais e sociais que estão afetando a vida em comum.
27 de julho de 2024
Reflexão pertinente que nos leva a pensar critérios para a contratação de professores e consequentemente uma melhoria na qualidade da educação, porém, no ensino público, fazer uma seleção por desempenho acadêmico é mais complexo, uma vez que na prova de concurso nem sempre consegue apurar o nivel de formação acadêmica do candidato que vai além das questões teóricas, mas de sua vivência acadêmica durante sua formação.